Acórdão: Agravo de Instrumento n. 2005.008461-6, de Criciúma.
Relator: Des. Fernando Carioni.
Data da decisão: 21.07.2005.
Publicação: DJSC n. 11.734, edição de 16.08.2005, p. 34/35.
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA CONTRA DEVEDOR SOLVENTE - PENHORA SOBRE BEM PARTICULAR DE SÓCIA DA EMPRESA EXECUTADA - DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO - NECESSIDADE DE INSTAURAÇÃO DE PROCESSO COGNITIVO - RECURSO DESPROVIDO
Para a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, possibilitando a penhora de bem particular de sócio gerente, é indispensável a dilação probatória, pela propositura de processo de conhecimento, no qual se busca comprovar que os sócios agiram, alternativamente, com abuso de direito, desvio de poder, fraude à lei, violação aos estatutos ou ao contrato social ou em palmar prejuízo a terceiros.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento n. 2005.008461-6, da comarca de Criciúma (2ª Vara), em que é agravante Supermercados Manenti Ltda., sendo agravada Indústria de Plásticos Tubocril Ltda.:
ACORDAM, em Terceira Câmara de Direito Comercial, por votação unânime, desprover o recurso.
Custas na forma da lei.
I -RELATÓRIO
Trata-se de agravo de instrumento interposto por Supermercados Manenti Ltda. contra decisão interlocutória do MM. Juiz de Direito da 2a Vara Cível da comarca de Criciúma que, nos autos da Ação de Execução por Quantia Certa contra Devedor Solvente n. 020.03.027040-5, ajuizada contra Indústria de Plásticos Tubocril Ltda., indeferiu o pedido de penhora dos bens de sua sócia-proprietária Sra. Luciane Bittencourt (fl. 30).
Insurge-se contra tal decisão ao argumento de que a empresa recorrida não está mais em funcionamento, bem como pela inexistência de bens em seu nome.
Defende a agravante a desconsideração da personalidade jurídica da empresa-agravada, porquanto a sócia-gerente desta, Luciane Bittencourt, teria agido mediante fraude, simulação e abuso de direito, acarretando-lhe prejuízos mediante emissão de cheques, da sociedade, desprovidos de fundo, ao realizar compras no seu estabelecimento para o sustento dela e de seus familiares.
Diz que a penhora deve recair sobre o terreno urbano situado na cidade de Laguna/SC, na Avenida Calistrato Müller Salles, Bairro Portinho, numa área de 670,05 metros, com matrícula no Cartório de Registro de Imóveis n. 18.609, imóvel de propriedade da sócia-gerente e herdado pelo falecimento de seu companheiro, Sr. Fábio Gil Bongiolo.
Não houve pedido de antecipação dos efeitos da tutela recursal (fl. 37).
Sem contraminuta.
II -VOTO
O conteúdo da postulação há de ser apreciado, porquanto presentes os pressupostos de admissibilidade recursal.
Insurge-se o agravante contra a decisão de primeiro grau que indeferiu o pedido de penhora sobre um imóvel, da sócia gerente da empresa executada, Srª Luciane Bittencourt, ao fundamento de que a sociedade não está mais em funcionamento e de não existir nenhum bem em seu nome, pugnando pela desconsideração da personalidade jurídica da recorrida.
A decisão agravada merece ser mantida, porém sob outro fundamento, consubstanciado na impossibilidade da aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade executada.
Para a aplicação da teoria em tela, é indispensável que se comprove em anterior processo de conhecimento, alternativamente, que os sócios tenham agido com abuso de direito, desvio de poder, fraude à lei, praticado fato ou ato ilícito, violado os estatutos ou o contrato social ou, ainda, que os atos praticados tenham causado prejuízo a terceiro.
Nessa direção, são os ensinamentos de Fábio Ulhoa Coelho:
A desconsideração não pode ser decidida pelo juiz por simples despacho em processo de execução; é indispensável a dilação probatória através do meio processual adequado (in Curso de Direito Comercial, volume 2, 5a ed., São Paulo, Editora Saraiva, 2002, p. 55).
Para Athos Gusmão Carneiro, os pressupostos acima consignados "são de extrema importância para ensejar a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica. Por fundamental que haja e seja demonstrado o abuso de direito, ou o desvio de poder, assim como estejam evidenciados os prejuízos, causados a terceiro, em virtude da confusão patrimonial entre o controlador (pessoa física ou jurídica) e a empresa controlada (pessoa jurídica). É preciso que tenha havido uma fraude contra terceiros, praticada pelo controlador, utilizando-se da pessoa jurídica como uma espécie de véu, que venha a acobertá-lo, ou de biombo que dissimule a efetiva atuação da pessoa física, ensejando, por parte do Poder Judiciário, o levantamento do véu e o afastamento do biombo" (RJ n. 217, p. 5).
É da jurisprudência:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. Execução. Penhora. Bens nomeados pela devedora. Não trazida aos autos das certidões imobiliárias respectivas. Omissão da executada. Inexistência de outros bens a penhorar. Presunção de má gestão dos sócios da devedora. Desconsideração da personalidade jurídica. Pressupostos não delineados com precisão. Decisão insustentável (Ag n. 2003.009499-7, de Itajaí, rel. Des. Trindade dos Santos j. em 13-11-03).
Colhe-se do corpo do acórdão:
Há de se assinalar, de outro lado, que, segundo a jurisprudência dominante, para a obtenção da desconsideração da personalidade jurídica de empresa comercial devedora, com o recaimento, então, da constrição judicial em bens integrantes do patrimônio particular dos sócios da mesma, de mister é que, o credor que pretenda alcançar essa desconstituição, se utilize de processo de conhecimento, ensejando a instauração de um amplo contraditório judicial (sublinhei).
Ou ainda:
Execução. Ação monitória não embargada. Título executivo judicial. Alegação de má-fé na conduta dos sócios. Requerimento de responsabilização destes. Carência de provas. Agravo desprovido (Ag n. 03.003982-1, de Capital, rel. Des. Pedro Manoel Abreu, j. em 25-9-03).
Do corpo do acórdão, extrai-se:
A aplicabilidade da doutrina da disregard e a alegada má-fé na conduta dos sócios são matérias de complexidade a exigir profunda análise cognitiva, o que, em regra, não se coaduna com a natureza do processo executivo, demandando ação própria, através do processo de conhecimento.
Em execução movida contra sociedade por cotas de responsabilidade limitada, para fazer incidir a penhora, em bem de sócio administrador por aplicação da doutrina da desconsideração da personalidade jurídica das sociedades, não basta que se presuma tenha havido a sua dissolução irregular, mas é necessário prova, que poderá ser apurada inclusive em processo administrativo-fiscal, de que seja ela decorrente da prática de vícios tais como abuso ou excesso de mandato ou prática de ato doloso contrário à lei ou ao contrato, e bem assim da relação de causalidade entre a ação ou omissão e o dano (Ag n. 97.005903-5, de Joinville, rel. Des. Newton Trisotto).
Outrossim, não restaram comprovados os pressupostos que ensejam a desconsideração da personalidade jurídica.
O agravante apenas alega que a empresa-agravada não está mais em funcionamento, o que não leva, necessariamente, à conclusão de que a sociedade fora dissolvida irregularmente, uma vez que ausente comprovação a esse respeito.
Ora, para a desconsideração da pessoa jurídica não basta a mera presunção de sua dissolução irregular, sendo imprescindível a demonstração cabal de tal fato, bem como que a sociedade tenha-se dissolvido em razão da prática de atos viciados, como os alhures referidos.
Rubens Requião, com propriedade, pontifica:
Há, pois, necessidade de se atentar com muita agudeza para a gravidade da decisão que pretender desconsiderar a personalidade jurídica. Que nos sirva de exemplo, oportuno e edificante, a cautela dos juízes norte-americanos na aplicação da disregard doctrine, tantas vezes ressaltada em seus julgados, que tem ela aplicação nos casos realmente excepcionais (in Abuso de Direito e Fraude através da Personalidade Jurídica. São Paulo: Revista dos Tribunais, vol. 410/24).
Igualmente, o simples fato de a empresa agravante não mais possuir bens que possam ser penhorados não comprova que os seus administradores agiram com abuso de direito ou desvio de poder.
Nesse sentido:
AGRAVO DE INSTRUMENTO - DECISÃO PROFERIDA EM PROCESSO DE EXECUÇÃO - INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DO DEVEDOR - IMPOSSIBILIDADE - MANUTENÇÃO DO PROVIMENTO JUDICIAL - INEXISTINDO PROVA INEQUÍVOCA DA ATUAÇÃO FRAUDULENTA OU DE ABUSO DE DIREITO NÃO PODE SER ADMITIDA A RESPONSABILIZAÇÃO DOS TITULARES DA SOCIEDADE LIMITADA AINDA QUE TENHA HAVIDO DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA PESSOA JURÍDICA E INEXISTAM BENS PARA GARANTIR O PROCEDIMENTO EXPROPRIATÓRIO - RECURSO NÃO PROVIDO (Ag n. 2003.003999-6, de Rio do Sul, rel. Des. Gastaldi Buzzi, j. em 11-12-03) (sublinhei).
No caso em apreço, não ficou evidenciada a dissolução irregular da sociedade, ou qualquer requisito que autorize tão drástica medida, sendo necessário, para tanto, maior investigação probatória, o que é inadmissível na via estreita do agravo de instrumento.
Destarte, mantém-se a decisão profligada, porém sob o fundamento da ausência de provas que atestem a presença dos pressupostos ensejadores da aplicação da teoria da desconstituição da personalidade jurídica.
Ante o exposto, nega-se provimento ao recurso.
III -DECISÃO
Nos termos do voto do Relator, nega-se provimento ao recurso.
Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Exmos. Srs. Des. Gastaldi Buzzi e Dionizio Jenczak.
Florianópolis, 21 de julho de 2005.
Fernando Carioni
PRESIDENTE E RELATOR
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